É sempre muito difícil, para qualquer homem, saber lidar com o fim das coisas, seja de um relacionamento, de um emprego, de uma amizade, de uma viagem ou, até mesmo, de um bem material. A necessidade de se desfazer ou de refazer uma realidade, seja ela qual for, é, sem dúvida, assustadora. Isso porque não se sabe o que se esperar do futuro. O novo sempre nos inquieta.
Nenhum mistério da vida humana, contudo, assombra tanto o ser humano quanto sua morte. Teorias, justificações e histórias surgem em todos os cantos do mundo, do mais simples ao mais sábio dos homens. Como, porém, ter a certeza do que nos aguarda depois dela? Alguns, às vezes por simplicidade, outras por arrogância, até brincam: “ninguém nunca voltou de lá para me contar como é”.
Na missa pelos fiéis defuntos, no prefácio I, a Igreja reza: “Senhor, para os que creem em vós, a vida não é tirada, mas transformada. E desfeito nosso corpo mortal, nos é dado, no céu, um corpo imperecível”. A morte, a princípio, consiste na separação da alma e do corpo. Segundo a tradição judaico-cristã, Deus modela o homem do barro e lhe confere o sopro da vida (cf. Gn 2,4b-25). O corpo, então, é compreendido como a morada do sopro de Deus. De fato, o ser do homem é composto de sarx (carne), do nefesh (o sopro de Deus ou a força vital, que se localizaria na garganta) e do ruah (o que liga o ser humano ao Transcendente e o desperta para buscá-Lo). Na morte, o corpo – sarx – é enterrado, enquanto a alma, que é própria de cada indivíduo e o faz um ser vivente, alcança, segundo a doutrina da Igreja, o céu, o purgatório ou o inferno.
Não se pode, é claro, entender céu, inferno e purgatório como lugares, mas sim, poder-se-ia dizer, como estados de espírito. Em outras palavras, céu é viver o amor; purgatório, crescer no amor; inferno, viver eternamente triste, por ser incapaz de amar. E é curiosa a palavra “amor”. Muitas das palavras de nossa língua, que começam com A, sempre negam alguma realidade. Uma pessoa que não sabe ler, é Analfabeta; uma situação diferente do habitual, é Anormal (NÃO está normal), e assim por diante. Na palavra AMOR, a letra A significa ‘negação’, ao passo que mor vem do latim mor, moris, que significa morte. Logo, dizer que você ama alguém é afirmar que você é capaz de tirá-lo da morte.
Dessa premissa, pode-se perfeitamente concluir que a eternidade não é algo que se ganha ou se perde, mas que se vive já aqui, nessa vida terrena. Aliás, é bíblico: todas as vezes que dermos pão ao faminto, água ao sedento, visitarmos um enfermo ou um prisioneiro, foi ao próprio Jesus que fizemos a obra de caridade (cf. Mt 25,31-46). É possível, sim, de se começar a viver o céu já aqui, embora, no fundo, possa-se apenas começar a vivê-lo, porque, afinal, nenhuma palavra é suficientemente clara e concisa para descrever essa grande maravilha que nos aguarda, como nos recorda o Apóstolo Paulo: “As coisas que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e não subiram ao coração do homem são as que Deus preparou para os que o amam” (cf. 1Cor 2,9).
Essa verdade, porém, não pode servir de alienação para ninguém. Não se pode conformar com a situação desse mundo acreditando que, no céu, não haverá sofrimento. De fato, não terá. Todavia, não se pode afirmar que “o meu lugar é o céu e é lá que eu quero morar” e aceitar, passivamente, toda realidade que se apresentar na vida terrena. É própria da vida ter os seus desafios, e a certeza do cristão é de que Deus está sempre ao lado, iluminando e guiando a estrada.
O fato é que a receita para atingir a eternidade é uma só: amar. Recentemente, o saudoso Pe. Zezinho, scj, no livro ‘Meu irmão crê diferente’, afirmava que os fanáticos não entram no Reino dos Céus, pois passam a vida inteira, aqui, apontando o dedo para os outros, dizendo: este está condenado; aquele vai pagar pelo erro; esse Deus vai castigar… Quando, finalmente, chegam ao encontro definitivo com Deus, ficam apenas na porta, indignados, pois todos aqueles que julgavam que não entrariam, já estarão do lado de dentro. Então eles ficam à porta, esperando que Deus adapte o céu da maneira como querem e sonham.
Por mais, portanto, que a tristeza nos atinja quando da perda de alguém que amamos, é importante ter em vista que, na morte, finalmente nos encontramos com Aquele a quem buscamos nessa vida inteira, que é Deus mesmo, pois “agora vemos por espelho em enigma, mas lá o veremos face a face; agora conhecemos em parte, mas então conheceremos como também somos conhecidos” (cf. 1Cor 13,12).
Pela fé, o cristão é o homem da esperança; ele sabe que a morte não tem a última palavra sobre si graças àquele que primeiro foi capaz de amá-lo até o fim, a ponto de se entregar e morrer no alto de uma cruz. E não só isso: porque Ele foi capaz de amar a todos dessa maneira, sendo homem como nós, todos podemos nos amar, sem exceção.
Alimente nossa fé e nos conserve na caminhada as palavras do padre Antonio Alexandre, da pequena cidade de São José de Laje, em Alagoas. Nesse momento, sem dúvida, ele intercede por nós na eternidade. Todavia, na última oportunidade que tive de vê-lo, numa conversa bastante informal, no carro, ele disse sabiamente: “… na eternidade o tempo e o espaço não terão mais razão de ser e existir, porque lá tudo se esgotará, apenas, numa eclosão do amor divino sobre todos”. Assim seja, Pe. Alexandre. Oxalá nos encontremos de novo.
Tiago Cosmo é seminarista na Diocese de São Miguel Paulista. É jornalista e bacharel em Filosofia pela Faculdade de Filosofia e Teologia Paulo VI, em Mogi das Cruzes. Atualmente, cursa Teologia, também em Mogi, e uma especialização em Religião e Cultura no Centro Universitário Assunção (UNIFAI), em São Paulo.
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